Se não se mexesse, se pensassem que estava a dormir, seria como se nada
tivesse acontecido.
Como das outras vezes.
A mãe viria acordá-lo na manhã seguinte e depois de lavar-se e tomar o pequeno‑almoço
que ela teria pronto, sairia para a escola sem quase falar com ela.
Nos dias seguintes, e à medida que o tempo passasse, seria como se nada
tivesse acontecido.
Dali a mais tempo poderia mesmo pôr-se a pensar se não o teria sonhado, um
pesadelo que lhe parecera real, como acontece com os maus sonhos enquanto
estamos a dormir, mas que não o era.
As vozes altas pareciam-lhe mais longe depois de tapar a cabeça com a manta
até que acabou por adormecer sem dar conta.
Mas naquela manhã a mãe não o veio acordar.
Acordou sozinho numa quietude estranha. A luz entrava pelas persianas mal
fechadas. Não sentia o cheiro de café e o silêncio pesava.
Levantou-se, receoso mesmo do som da sua própria voz. Só por isso não
chamou pela mãe.
Atravessou a porta do quarto entreaberta, atravessou o hall, até à cozinha,
habituando-se à pouca luz, pouco a pouco, foi apercebendo-se que ali não estava
sozinho. O pai estava sentado num banco com a cabeça entre os braços apoiados
na mesa.
Fez algum ruído ao esbarrar noutro banco e o pai virou-se para ele.
Parecia que olhando para ele não o via. Mas devia estar a vê-lo porque
depois falou alto: "o que é que eu fiz". A seguir voltou a esconder o
rosto nos braços mas o seu corpo foi sacudido por estremecimentos. E percebeu
que o pai estava a chorar.
Não podia mais fazer de conta que nada tinha sucedido. Soube nesse momento
que nunca mais ia ver a sua mãe.
Foi quando começou a gritar por ela.
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